A simplicidade do blog esconde uma profusão de frases bem feitas, de histórias encantadas, de passagens poetizadas, um pouquinho de tudo. Por isso a delícia de ler a Rita Apoema em seu Jornal das Pequenas Coisas.
Sinta um pouco de lá:
"Todos os pianos são banguelas e, no dente que falta, insistem na pausa que fala. Espero a aula começar, meu pai no saguão, lendo o jornal. Levanto a tampa do piano e o piano sorri, sabendo de todos os meus pecados. Seu imenso sorriso, branco e vago, implorando algum som. Mas eu não sei te tocar, disseram meus dedos. E o piano odiou, deixando a pesada tampa cair. O piano estrondo, rancoroso da última vez em que o professor me puxou para junto da partitura enquanto eu me sentava sobre as três oitavas. O piano rancoroso da última vez em que ele deixou de tocá-lo para me. Não a tampa, mas o meu longo vestido. Não as teclas, mas o anteparo de minhas coxas, que não se queriam parar. Meus dedos trêmulos tentando fá alcançar, enquanto o professor tentando lá. Sustenido, fez quase sol e as partituras dizendo-lhe pausa de oito tempos! Pausa de oito tempos! Deixa-me respirar! Mas o professor ao piano, desamarrando as cinco linhas do pentagrama e as amarrando em minhas mãos. Como é possível: meu próprio corpo a benzer o que minha cabeça entende por pecado? E quando eu não pude mais, os seus lábios toquei, sobre as oitavas eu. Já reparou como o orgasmo é, silenciosamente, agudo? Implodi. Suaves estilhaços. Cuidado, as colcheias têm pontas. Há música dentro de mim fá sol. Meus dedos agarrando-se às teclas do piano. Os seus dedos agarrados aos meus. Sim, meu pai, hoje tocamos a quatro mãos".
Agora corra!
Agora corra!
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